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Borba Gato

Borba Gato

O melhor relato sobre os acontecimentos saiu da pena do Superintendente Borba Gato, que escreveu longamente ao Governador D. Fernando Martins Mascarenhas Lencastre em 29 de novembro de 1708, das minas do Rio das Velhas:
«Muito tempo há que em profecia escrevia a Vossa Senhoria que se não podia tratar nestas Minas do bem comum, menos da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde, nem da dos defuntos e ausentes, sem que houvesse nelas Infantaria. Agora posso afirmar que para se poder tratar destes (Ilegível) não se necessita menos que um exército, porque se foram os homens que entraram pela estrada proibida da Bahia desaforando de sorte que já cada vez que querem fazer um motim ou levantamento, para isso tem eligido cabos neste distrito e dado senhas, que não há mais que dá-la um para todos estarem juntos. Isto tem dobrado três vezes depois que saiu desta terra Cristóvão Correia Leitão. Foi a primeira vez que um bahiense que meteu um comboio em sua casa tão publicamente, em tão claro dia, que parece o acusava a sua consciência em que eu lho havia de ir confiscar, porém mal o podia fazer se nem por pensamentos tive notícia disso. Tratou de juntar gente, prevenir armas e não devia ser para me entregar o comboio. É incrível que seria para me descompor ou para me matar. Como não fui a sua casa, desvaneceu-se desse levantamento de que não tive notícia senão depois de se terem passado muitos dias.
Depois disto tive notícia certa que de umas razões que teve Jerônimo Pedroso de Barros com Manuel Nunes Viana se originaria uma ruína muito grande, porque para que sucedesse assim tinha aquele convidado não só os parentes que tinha no distrito mas ainda a seu irmão Valentim Pedroso de Barros nas Minas Gerais e tinham passado palavra que em uma segunda-feira se haviam de achar todos no Caeté. Deu-me esta notícia em que cuidar pelo primeiro do bem comum e inquietação de um povo que alvoroçado sempre traz consigo estragos que dão que sentir, resolvi-me a fazer os editais que envio a Vossa Senhoria para que, ausentando-se Manuel Nunes Viana com um pretexto tão honrado se evitassem as ruínas que podiam suceder. Também com a consideração de que este homem e a sua vinda a estas Minas era tão prejudicial à Fazenda de Sua Majestade que Deus guarde, porque não tem mais exercício no Rio de São Francisco que esperar comboios da Bahia de uma grossa sociedade que tem naquela cidade, e tanto que lhe chegam, não se contenta com marchar com estes para as Minas, senão convir servindo de capitania aos mais comboios, para que nenhum seja tomado do inimigo que nesta conta tem a quem trata da arrecadação da Fazenda de Sua Majestade, que Deus guarde. Tanto que tem feito o seu negócio nestas Minas, passa palavra a todos os que aqui se acham com ouro para ir por aquela estrada proibida sem pagar quintos que se aparelhem para tal dia; juntam-se todos e se vão com ele, reconhecendo-o por seu General, querendo disfarçar tudo isto que é tão público com vir dar o ano passado entrada a 47 cabeças de gado, como Vossa Senhoria se pode informar de Cristóvão Correia Leitão, e este ano de 46, que nem se cansou em a vir dar a esta oficina senão mandar.
Postos os editais, foi êle logo ao arraial do Caeté donde estavam a tirá-los, como Vossa Senhoria verá da carta a qual lhe mandei esta resposta, mas não deixei de ficar considerando o que poderia obrar, porque se tomava aquela resolução em virtude do Capítulo 17 que Sua Majestade foi servido dar no Regimento para o Governo destas Minas e por ver quão prejudicial era este homem nelas à Fazenda do dito Senhor; lembrando-me também do Capítulo 1° em que tanto recomenda Sua Majestade que Deus guarde o cuidado que se há de por em atalhar as discórdias que houver não só entre Mineiros, mas ainda entre outras quaisquer pessoas que se achem nestas Minas, saí de minha casa para o Caeté para que, quando não pudesse dar a execução o capítulo 17, tratar de usar do primeiro. Chegando àquela parte antes do dia que se tinha destinado, já achei algumas ruínas que faziam as tropas que se ajuntavam. Tinham morto dois negros do dito Manuel Nunes Viana e feito outras hostilidades. Tratei de aquietar tudo, fazendo amigo a Jerônimo Pedroso de Barros com Manuel Nunes Viana quando para este efeito fui a sua casa achei nela toda a gente que tinha deixado neste Rio das Velhas e Saberabusu.
Composto tudo, fiz jornada para minha casa donde vim saber como cá se tinha feito um levantamento ou motim, sendo cabeças dele certos homens que tenho em lembrança, entrando pelas casas dentro as pessoas que achavam os acompanhavam senão os haviam de matar, com o que não ia por vontade faziam ir à força, ficando tudo isto despejado, metendo-se tudo em casa de Manoel Nunes (Viana) sem se lhe dar do Edital que tinha posto para que o não fizessem. Como nós não podemos ter maior fiscal das nossas culpas que as nossas consciências, estas cabeças de Motim parece que considerando no mal que tinham obrado em andar obrigando a força os homens para serem contra os Paulistas, sucedendo uma noite vir um cunhado de Jerônimo Pedroso de sua casa a Saberabuçu, que não é longe, dizem que a procurar um pouco d ouro que de certa ciência sei havia mister para pagar a outro Paulista que ia para povoado, que lhe tinha emprestado, e pelo não achar mandou dizer à pessoa que lhe vinham uns barris de aguardente, lhos vendesse logo por qualquer preço que fosse; começaram disto a formar argumento, porque se achavam na consulta frades e clérigos, e diz que colheram de conclusão por consequência certa que aquilo era para matarem aqueles que publicamente foram cabeças do motim, e irem-se embora que por isso é que passaram de noite e mandavam pela manhã vender a fazenda fosse pelo que fosse. Com este pretexto fizeram outro levantamento, e o que não acudia a este motim o iam tirar a sua casa, e faziam assistir nele, e houve uns que tiveram sentença de morte.
Chegado Manuel Nunes Viana do Caeté, não deixando bahiense nem outro homem algum dos que não eram Paulistas, diz que resolveram matarem alguns Paulistas nomeados e os mais fazê-los despejar sem que ficasse nenhum, e o que repugnasse matarem-no também. Esta desordem diz que a mexeram frades e clérigos, também dizem que houve outros que sem dúvida deviam de ser mais bem intencionados que rebatendo esta fúria, vieram em que se moderasse a sentença que foi ficarem os Paulistas sujeitos a leis que queriam estabelecer os Bahienses: que são de que nenhum Paulista nem negro seu entre de noite em arraial de homem da Bahia, e que fazendo-o serão mortos sem que por isso sejam obrigados a pagarem os escravos; que de dia não pudessem trazer mais que dois pagens; e outras proposições semelhantes que em se dando a imprensa se se venderem enviarei a Vossa Senhoria. Que isto seja castigo de Deus com evidência se mostra, porque qual havia de ser o bahiense por mais poderoso que fosse que entrasse cá nestas Minas se não fora o amparo que tinham nos Paulistas, que eu com o meu pagem o não confiscasse, nem qual era o pobre que chegava aqui para poder estar com sossego se não fosse valer do arraial de algum Paulista. Não sinto eu que os Bahienses façam isto aos Paulistas, para que eles abram os olhos e reparem que são justos juízos de Deus que para se porem e oporem contra as ordens de seu Rei a quem tanto amor devem, diziam que os Bahienses não eram só seus amparados senão seus filhos. O de que me fico lastimando é o que tenha de seguir daqui as ruinas que isto há de causar, e o prejuízo que há de resultar à Fazenda de Sua Majestade que Deus guarde. Estes dois (ilegível), Senhor, deve Vossa Mercê ponderar muito, como tão amante do serviço de Sua Majestade, que Deus guarde, para que lhe possa dar o remédio que parecer mais conveniente, que aqui, da sorte que isto está, não se pode devassar e menos proceder contra ninguém de que resulte utilidade à Fazenda de Dua Majestade dando cumprimento às suas reais ordens. (....) A pessoa de Vossa Senhoria Deus guarde muitos anos com os aumentos e Estado que está merecendo. Minas do Rio das Velhas, Manuel de Borba Gato.»
Este documento está na Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo de Marinha e do Ultramar, docs 3212 a 3225 do Rio de Janeiro. Borba Gato é assim o primeiro historiador dos emboabas. Tumultos e dissensões paralisaram as Minas, extinguiram trabalho e anularam colheitas. Só se cuidava da guerra e os moradores estavam reduzidos à miséria. Não era entretanto chegado o momento de descerrar ao Governador quanto sabia. Escreveu não para acusar mas para apurar responsabilidades.